Estavam na maior correria. Todos envolvidos para fazer com que a festa saísse na mais perfeita ordem e que fosse inesquecível, afinal, era tradição daquele povo comemorar aniversários. Na véspera, saíra para comprar os ingredientes e demais itens da lista que havia sido feita. Nada faltou. Os convites foram feitos por telefonemas, na verdade, as ligações foram feitas mesmo só para confirmar, pois desde o aniversário do ano anterior já havia ficado combinado e acordado que no próximo ano retornariam. Assim foi feito. No dia, logo cedo arrumaram a casa, espalharam as luzes, as bolas, os enfeites. Tudo estava limpo e brilhava com o refletir das luzes que já começavam a se acender. Da cozinha vinha as mais saborosas essências e aromas carregadas pelo vento, anunciando que o banquete estava por ficar pronto. As roupas eram novas, recém-chegadas da loja. As mulheres e meninas traziam no alto de suas cabeças penteados finos, clássicos, como se fossem uma escultura. Estava tudo impecável. A alegria parecia comandar naquele lugar. A empolgação era evidente em cada rosto. É chegada a noite. Tudo pronto. A mulher deu a última conferida e os últimos retoques. Mesa posta. Convidados presentes. Copos cheios.
A festa começou e ninguém queria saber da hora em que iria acabar. Haviam esperado um ano para aquele aniversário e agora tudo o que queriam e pensavam era em aproveitar o momento até o último instante que pudessem. As crianças corriam pelas escadas, as mulheres sentaram-se à sala e ali fizeram sua roda de conversa. Os homens, a beira da churrasqueira, comiam, bebiam e envolvidos por seus causos e estórias, riam-se sem limites de altura. Horas e horas se passaram. A meia noite o sino soou as doze badaladas e isso significava apenas uma coisa: era Natal, o aniversário de Cristo. A comoção era geral. Todos se abraçavam e desejavam um ao outro um "feliz natal", "boas festas", "próspero ano novo", etc... etc... etc. Sentaram-se à mesa e em menos de uma hora, o jantar foi degustado. Pouca coisa sobrou além dos ossos do peru e pratos sujos. Agora, cheios e satisfeitos (alguns embriagados) era hora de partir. Cada qual retornaria para sua casa, mas já combinado - como de costume - em retornar no próximo ano. As luzes se apagam. As roupas de grife, agora ao chão do quarto. Adormeceram.
Recolheram-se sem perceber que na festa de aniversário ao qual haviam acabado de participar faltou algo crucial, de extrema importância: o aniversariante, o Cristo. Afundados em seu egoísmo e avareza não perceberam que bem próximo haviam pessoas que não tinham sequer o que comer. Enfadados pela gula, comeram e beberam e o que no bolso coube, foi consigo pra casa. Vestidos pela falsidade e hipocrisia compraram presentes para parentes que há muito não se falavam devido a uma discussão do passado, coisa pouca. Munidos do riso de engano, se suportaram uns aos outros, loucos pelo momento em que não estivessem frente a frente para comentar sobre o cabelo mal arrumado ou a roupa mal passada e fora de moda. Enquanto isso, o aniversariante, o Cristo, só desejava entrar em sua própria festa e trazer a paz . Entretanto, percebeu que os homens já possuem um outro cristo, que se veste de vermelho e que entrega presentes, e que Ele, o Cristo, é nada mais nada menos do que uma lenda.
Thiago Fontinelly'