sábado, 15 de fevereiro de 2014

Saudades do Meu Eu

Aflito. Foi assim que certa noite, num ímpeto repentino eu me vi. Olhava no espelho e já não mais me reconhecia. A barba havia crescido e sufocado de vez o rosto da criança que um dia o destino se encarregou de assassinar. Lembrei-me saudoso dos sonhos que fazia quando menino, dos desejos, das imaginações futuras e também dos medos que desde muito cedo assolavam-me a alma fazendo-me desistir antes mesmo de tentar. Ao lembrar disso, copiosas lágrimas insistiram para serem libertas, e sem receio algum, saltavam pelos olhos. Flashes sobrevinham à minha mente. Momentos de dor eram praticamente revividos trazendo de volta a angústia, o desespero, o nó que se formava na garganta quando assistia às brigas de meus pais, voltava a ser formado só que de uma forma bem mais intensa, bem mais violenta, inúmeras vezes mais dolorido. Ao levantar os olhos meu mundo já não possuía mais cor. As paredes do quarto pareciam tê-lo reduzido àquele pequeno espaço e todos os sonhos que davam vida, forma e sentido à minha existência estavam ao chão, rasgados, pisoteados, sujos, sem conserto. Essa dor doeu mais forte... Sentia a vida se esvaindo de minhas veias... Em cada canto da vida que tinha vivido até aqui havia um pedaço meu. Eu percebia que eram pedaços importantes, vitais, mas que já estavam completamente sem vida. Correndo para o canto direito do quarto escuro, me lancei contra a parede e, escorregando com as costas, encontrei-me com o chão. No peito, o vazio. No coração, a dor. Nos olhos as lágrimas, as fiéis companheiras desde a infância.


Thiago Fontinelly'

sábado, 28 de dezembro de 2013

Festa sem dono

            Estavam na maior correria. Todos envolvidos para fazer com que a festa saísse na mais perfeita ordem e que fosse inesquecível, afinal, era tradição daquele povo comemorar aniversários. Na véspera, saíra para comprar os ingredientes e demais itens da lista que havia sido feita. Nada faltou. Os convites foram feitos por telefonemas, na verdade, as ligações foram feitas mesmo só para confirmar, pois desde o aniversário do ano anterior já havia ficado combinado e acordado que no próximo ano retornariam. Assim foi feito. No dia, logo cedo arrumaram a casa, espalharam as luzes, as bolas, os enfeites. Tudo estava limpo e brilhava com o refletir das luzes que já começavam a se acender. Da cozinha vinha as mais saborosas essências e aromas carregadas pelo vento, anunciando que o banquete estava por ficar pronto. As roupas eram novas, recém-chegadas da loja. As mulheres e meninas traziam no alto de suas cabeças penteados  finos, clássicos, como se fossem uma escultura. Estava tudo impecável. A alegria parecia comandar naquele lugar. A empolgação era evidente em cada rosto. É chegada a noite. Tudo pronto. A mulher deu a última conferida e os últimos retoques. Mesa posta. Convidados presentes. Copos cheios. 
             A festa começou e ninguém queria saber da hora em que iria acabar. Haviam esperado um ano para aquele aniversário e agora tudo o que queriam e pensavam era em aproveitar o momento até o último instante que pudessem. As crianças corriam pelas escadas, as mulheres sentaram-se à sala e ali fizeram sua roda de conversa. Os homens, a beira da churrasqueira, comiam, bebiam e envolvidos por seus causos e estórias, riam-se sem limites de altura. Horas e horas se passaram. A meia noite o sino soou as doze badaladas e isso significava apenas uma coisa: era Natal, o aniversário de Cristo. A comoção era geral. Todos se abraçavam e desejavam um ao outro um "feliz natal", "boas festas", "próspero ano novo", etc... etc... etc. Sentaram-se à mesa e em menos de uma hora, o jantar foi degustado. Pouca coisa sobrou além dos ossos do peru e pratos sujos. Agora, cheios e satisfeitos (alguns embriagados) era hora de partir. Cada qual retornaria para sua casa, mas já combinado - como de costume - em retornar no próximo ano. As luzes se apagam. As roupas de grife, agora ao chão do quarto. Adormeceram. 
                  Recolheram-se sem perceber que na festa de aniversário ao qual haviam acabado de participar faltou algo crucial, de extrema importância: o aniversariante, o Cristo. Afundados em seu egoísmo e avareza não perceberam que bem próximo haviam pessoas que não tinham sequer o que comer. Enfadados pela gula, comeram e beberam e o que no bolso coube, foi consigo pra casa. Vestidos pela falsidade e hipocrisia compraram presentes para parentes que há muito não se falavam devido a uma discussão do passado, coisa pouca. Munidos do riso de engano, se suportaram uns aos outros, loucos pelo momento em que não estivessem frente a frente para comentar sobre o cabelo mal arrumado ou a roupa mal passada e fora de moda. Enquanto isso, o aniversariante, o Cristo, só desejava entrar em sua própria festa e trazer a paz . Entretanto, percebeu que os homens já possuem um outro cristo, que se veste de vermelho e que entrega presentes, e que Ele, o Cristo, é nada mais nada menos do que uma lenda.

Thiago Fontinelly'

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

De repente, não mais que de repente, a dúvida!

O que fazer quando toda a vontade de viver simplesmente desaparece? Quando o desânimo sobressai a força? Quando o riso já não passa de um mero disfarce? Quando o sonho virou pesadelo e o príncipe tornou-se vilão? O que fazer quando a inconformidade com tudo é maior do que a aceitação? Quando nada mais tem graça e a noite parece cada vez mais escura e duradoura? O que fazer quando o coração se entristece e o frio da madrugada chega a lhe arrancar suspiros profundos vindos da alma e que se transformam em copiosas lágrimas que demoram a cessar? O que fazer quando o cansaço paralisa o corpo, as dores sufocam o bem-estar e a rotina estraçalha a possibilidade de tentar a sorte e ousar o novo? O que fazer quando já não mais consegue se crê em nada e a fé que antes existia dá lugar à dúvida, ao receio, ao medo e ao ceticismo? Responda quem puder: o que fazer quando se percebe o quanto sua vida é fútil ?



Thiago Fontinelly'


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Nas linhas do silêncio

                     O maior e mais maligno dos cânceres humanos começa quando esquecemos de amarmos primeiro a nós e amamos em demasia o outro. A falta do amor próprio faz com que deixemos escapar a coisa amada, faz com que ela escorregue por entre os vãos dos dedos e como a água que desce pelo ralo, se esvai. O pedestal é lugar pra se colocar o santo, o oco, o que não sente, o que não vive. Amor, nem de longe, merece lugar de exaltação. Antes, tenha adoração pelo trabalho, pelas conquistas, pela leitura, por um bem que seja comum a todos os seres que compõe a raça humana. E, se der tempo, ame. Ame a si mesmo. Em primeiro lugar. Vale lembrar que: coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa, cabe o meu amor. O seu amor. O nosso amor. Mas o amor de cada um é coisa que só o próprio dono pode guardar. É simples. É puro. É virgem. Seu sabor e seu cheiro são únicos e com nada se comparam. Carregam a identidade e o DNA de cada um, no entanto, com o tempo ele se altera, se modifica, cria e se apresenta em outras formas, transmuta, transfigura, sucumbe, sufoca, morre. O amor pelo outro sempre será para sempre até que acabe, e sim, ele sempre acaba. O que acontece é que por diversas vezes o ser humano aceita a condição de parasitismo e depois de se adaptar a uma situação ( que pode até estar insuportável ) ele a releva... engole... suporta... Por pura conveniência. Medo de mudar, de ousar. Pelo costume de já conviver com a angústia e o sufoco de já não amar mais o outro e nem a si mesmo. Eis aí um vegetal.


Thiago Fontinelly'

domingo, 8 de setembro de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Nas linhas do tempo

Uma hora você vai perceber o quanto eu te amei e o quanto você brincou com isso. 
O quão bem eu te quis, mas você resolveu seguir outros caminhos.
Uma hora você vai perceber que eu estava aqui sempre disposto a te ouvir e a te consolar quando algo dava errado, mas você preferiu estar sozinho.
Vai reconhecer que eu abri mão de muita coisa que eu queria só pra viver a vida que você planejou pra nós, mas desistiu.
Uma hora você vai se surpreender com a crueldade que você teve quando destruiu meus sonhos.
Uma hora você vai se espantar, quando se der conta de que eu fechei meu mundo de amizades para que ele fosse apenas nós dois, e você me abandonou.
Que todas as muitas mensagens que eu te mandei durante o dia não eram com a intenção de te incomodar, mas para fazer você saber o quanto eu me importava com você, e você apagou todas.
Uma hora você vai acordar e ver que eu fui embora.
Uma hora você vai me procurar e dizer que me ama,
E eu, já refeito, vou dizer: "quem é você?"

Thiago Fontinelly'